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Assunto: Lixo
País: Brasil
Fonte: http://planetasustentavel.abril.uol.com.br/noticia/lixo/conteudo_345870.shtml
Data: 10/2008
Enviado por: Rodrigo Imbelloni
Curiosidade (texto):
O lixo é o grande desafio do futuro. Esqueça a arte, a ciência... Se o homem não aprender a dar conta de seus dejetos, afundará nesse mar de lama

Por Fernanda Torres
Veja Rio - 01/10/2008


Passei as festas de fim de ano em Fernando de Noronha, minha adorada ilha. Lá, por acaso, comemorei o Natal com uma família vinda de São Paulo, hospedada na mesma pousada que eu. O pai tinha um forte sotaque do interior do Paraná e nos disse, com um sorriso maroto, que era lixeiro. Ficamos curiosos e ele acabou contando sua saga. Nascido na roça paranaense, foi tentar a sorte em São Paulo há mais de trinta anos, com uma mão na frente e outra atrás. Depois de muitos bicos e sem nenhum futuro no horizonte, percebeu no ramo da carne uma possibilidade de sustento. Começou a vender jornal velho a preço de banana aos açougues da região. Na época, olha como isso é antigo, ainda se embrulhava carne com jornal e reciclar era um verbo que ninguém conjugava. O paranaense era um homem de visão. Depois da bem-sucedida experiência com o jornal velho, e acometido por uma forte compulsão, passou a olhar o lixo com olhos de cobiça. Cresceu e hoje domina o mercado de reciclagem de latas de alumínio em São Paulo.

— Mandei importar três máquinas. Dá vontade de chorar — disse ele. — Você vê entrar o lixo de um lado e sair ouro do outro, ouro!

Apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores mundiais de alumínio, o país exporta tudo o que extrai do solo, nada fica aqui. Praticamente todo o alumínio consumido no país vem das ruas, da força geológica de formiguinhas humanas que sustentam empresas de pequeno, médio e grande porte. Atualmente, a família que passava férias em Noronha é abastecida por dezenas de cooperativas de coleta, homens e mulheres sem grandes perspectivas que encontram nas latinhas um mercado informal de sustento, exatamente como o herói desta crônica, há quarenta anos.

Todos eles trabalham no ramo, sorrindo de orelha a orelha, querendo seguir o faro do pai. A filha revende o papel usado do escritório nos bairros menos favorecidos da capital paulista. Os olhos do pai brilham quando fala da fortuna que é possível fazer com pneu, pilha, garrafas PET, restos de computador... Este é um novo negócio que o paranaense morre de pena de não ter mais idade para explorar: os incontáveis materiais preciosos contidos no lixo tecnológico dos celulares, bips e videogames. Ele falava em tecido de garrafa, de ouro, platina e cobre vindos de pilhas usadas, de asfalto de altíssimo nível retirado de pneus velhos. Ele me esclareceu a respeito do que pode render um aterro de lixo bem estruturado. Fiquei fascinada com aquele homem, um jeca-tatu visionário made in Brazil.

O lixo é o grande desafio do futuro. Esqueça a arte, a ciência... Se o homem não aprender a dar conta de seus dejetos, afundará nesse mar de lama. O antropólogo Jared Diamond, em seu livro Colapso, escreve sobre um amigo da República Dominicana que profetiza, diante de uma praia coberta de sujeira, que a humanidade vai ser soterrada pelo próprio lixo. Dizem que existem verdadeiros vortices de imundice levados pelas correntes no meio dos oceanos, lixões à deriva.

Saí de Noronha convencida de que deveria montar uma firma de reaproveitamento de lixo, querendo juntar pneu, explorar os metais das pilhas velhas. Desisti assim que botei o pé em casa e voltei para o que sei fazer. Mesmo assim, voltei diferente. Passei a separar o lixo com mais seriedade e a recusar os zilhões de sacolas de plástico que me oferecem cada vez que compro uma aspirina. Uso minha shopping bag com mais freqüência e me revolto com o tamanho das embalagens dos brinquedos dos meus filhos. São cinqüenta camadas de plástico duro, inviolável, que, conforme abrimos, se multiplicam em mil. No fim restam um brinquedinho e uma montanha de lixo ao lado.

Lembro do tempo em que eu admirava o excesso de invólucros dos supermercados americanos, a quantidade de isopor para embalar uma fruta, as cinqüenta sacolas para presentear um anel, uma prosperidade que hoje mais me parece ignorância. Já o paranaense, por mim, levava o Prêmio Nobel da Paz na Consciência. Ele merece.

Passei as festas de fim de ano em Fernando de Noronha, minha adorada ilha. Lá, por acaso, comemorei o Natal com uma família vinda de São Paulo, hospedada na mesma pousada que eu. O pai tinha um forte sotaque do interior do Paraná e nos disse, com um sorriso maroto, que era lixeiro. Ficamos curiosos e ele acabou contando sua saga. Nascido na roça paranaense, foi tentar a sorte em São Paulo há mais de trinta anos, com uma mão na frente e outra atrás. Depois de muitos bicos e sem nenhum futuro no horizonte, percebeu no ramo da carne uma possibilidade de sustento. Começou a vender jornal velho a preço de banana aos açougues da região. Na época, olha como isso é antigo, ainda se embrulhava carne com jornal e reciclar era um verbo que ninguém conjugava. O paranaense era um homem de visão. Depois da bem-sucedida experiência com o jornal velho, e acometido por uma forte compulsão, passou a olhar o lixo com olhos de cobiça. Cresceu e hoje domina o mercado de reciclagem de latas de alumínio em São Paulo.

— Mandei importar três máquinas. Dá vontade de chorar — disse ele. — Você vê entrar o lixo de um lado e sair ouro do outro, ouro!

Apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores mundiais de alumínio, o país exporta tudo o que extrai do solo, nada fica aqui. Praticamente todo o alumínio consumido no país vem das ruas, da força geológica de formiguinhas humanas que sustentam empresas de pequeno, médio e grande porte. Atualmente, a família que passava férias em Noronha é abastecida por dezenas de cooperativas de coleta, homens e mulheres sem grandes perspectivas que encontram nas latinhas um mercado informal de sustento, exatamente como o herói desta crônica, há quarenta anos.

Todos eles trabalham no ramo, sorrindo de orelha a orelha, querendo seguir o faro do pai. A filha revende o papel usado do escritório nos bairros menos favorecidos da capital paulista. Os olhos do pai brilham quando fala da fortuna que é possível fazer com pneu, pilha, garrafas PET, restos de computador... Este é um novo negócio que o paranaense morre de pena de não ter mais idade para explorar: os incontáveis materiais preciosos contidos no lixo tecnológico dos celulares, bips e videogames. Ele falava em tecido de garrafa, de ouro, platina e cobre vindos de pilhas usadas, de asfalto de altíssimo nível retirado de pneus velhos. Ele me esclareceu a respeito do que pode render um aterro de lixo bem estruturado. Fiquei fascinada com aquele homem, um jeca-tatu visionário made in Brazil.

O lixo é o grande desafio do futuro. Esqueça a arte, a ciência... Se o homem não aprender a dar conta de seus dejetos, afundará nesse mar de lama. O antropólogo Jared Diamond, em seu livro Colapso, escreve sobre um amigo da República Dominicana que profetiza, diante de uma praia coberta de sujeira, que a humanidade vai ser soterrada pelo próprio lixo. Dizem que existem verdadeiros vortices de imundice levados pelas correntes no meio dos oceanos, lixões à deriva.

Saí de Noronha convencida de que deveria montar uma firma de reaproveitamento de lixo, querendo juntar pneu, explorar os metais das pilhas velhas. Desisti assim que botei o pé em casa e voltei para o que sei fazer. Mesmo assim, voltei diferente. Passei a separar o lixo com mais seriedade e a recusar os zilhões de sacolas de plástico que me oferecem cada vez que compro uma aspirina. Uso minha shopping bag com mais freqüência e me revolto com o tamanho das embalagens dos brinquedos dos meus filhos. São cinqüenta camadas de plástico duro, inviolável, que, conforme abrimos, se multiplicam em mil. No fim restam um brinquedinho e uma montanha de lixo ao lado.

Lembro do tempo em que eu admirava o excesso de invólucros dos supermercados americanos, a quantidade de isopor para embalar uma fruta, as cinqüenta sacolas para presentear um anel, uma prosperidade que hoje mais me parece ignorância. Já o paranaense, por mim, levava o Prêmio Nobel da Paz na Consciência. Ele merece.

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